Livro de dissidente chinês vencedor do Nobel da Paz chega ao Brasil

Coletânea de ensaios e poesias de Liu Xiaobo revela certa decepção com a geração pós-manifestações de 1989, vista por ele como cooptada pelo regime e interessada apenas em seu bem-estar

por Teresa Perosa

Capa do livro “Não tenho inimigos, desconheço o ódio”. O rosto de Liu foi projetado na parede de um hotel em Oslo, durante uma manifestação no dia da entrega do Prêmio Nobel da Paz, em dezembro de 2010 (Foto: Divulgação)

No próximo dia 10, chega às livrarias “Não tenho inimigos, desconheço o ódio” (editora L&PM), o primeiro livro publicado no Brasil do escritor chinês e vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2010, Liu Xiaobo. O título da obra foi retirado de sua última declaração pública, dada na ocasião de seu julgamento, em dezembro de 2009. Liu, de 56 anos, está preso desde o final de 2008, pelo crime de “incitação à desmoralização do poder estatal”. Seus mais de 20 anos de ativismo pacífico pelos direitos humanos e sua participação na Carta 08 – um manifesto pró-democracia publicado em 2008 e ratificado por mais de 10 mil chineses – lhe renderam a condenação a 11 anos de prisão.

Dividido em quatro partes, o livro reúne ensaios e comentários críticos escritos por Liu ao longo dos anos sobre a sociedade chinesa, o governo autocrático e a política externa do país, além de um compilado de poemas e de sua sentença à prisão. Com uma linguagem fluida e direta, mas veemente, Liu traça um panorama do que seria a China atual – uma burocracia estatal corrupta, engessada e cínica, um veículo de manutenção de privilégios, que coopta a juventude com benefícios econômicos.

Em um dos ensaios, o autor fala sobre a dicotomia existente entre a descrença generalizada no regime comunista chinês, alvo de piadas a portas fechadas, e a postura pragmática daqueles que endossam e ingressam no partido, interessados apenas nas benesses de um cargo oficial. “(…) É a geração pós-89 que em princípio não tem gravada a fogo na alma a lembrança de tempos difíceis nem experiências de repressão sistemática com o Estado policial, às vezes contando somente com vivências pessoais indiretas com o fato de que ‘tudo se orienta pelo dinheiro’ e ‘quem tem poder tem dinheiro’”, escreve Liu, fazendo referência temporal aos protestos estudantis contra o governo na Praça da Paz Celestial, em 1989.

Liu não vislumbra uma revolução em seu país ou a ascensão de uma figura semelhante à de Mikhail Gorbachev, cujas políticas de abertura do regime levaram à desintegração da União Soviética em 1992. Ele prevê uma mudança lenta e gradual na sociedade chinesa, rumo à modernidade e ao liberalismo, em um “período que poderia mesmo exceder as estimativas mais conservadoras”.

Ao lado das críticas, a lembrança do massacre da Praça da Paz Celestial é uma constante nos escritos do ativista, que se engajou na luta pacífica contra o regime chinês a partir daquele momento. Liu estava nos Estados Unidos como pesquisador convidado na Universidade Columbia e retornou às pressas para a China quando soube das manifestações. Declarou greve de fome em meio aos protestos e foi preso pela primeira vez, condenado a 20 meses de prisão.

Apesar de seu papel importante na negociação com o exército para o fim do massacre, Liu não esconde seu luto e sentimento de culpa por ter sobrevivido aos eventos de 4 de junho. “O que as pessoas como eu, que nos anos 80 se denominavam elite intelectual, o que pessoas como eu, pessoas públicas de 89, fizeram em nome das almas daquelas pessoas? Por que as pessoas que tiveram de pagar o preço mais alto que existe – pagar com a vida – estão em grande parte entre aquelas que não têm direito de falar sobre a História, enquanto a elite está entre os sobreviventes e arvora-se o direito de continuar com sua arrogância?”, escreve. Quando soube que fora laureado com o Nobel da Paz, na prisão, Liu teria dito a sua esposa, Liu Xia: “Esse prêmio pertence às almas da Praça da Paz Celestial”.

Liu Xia é, por sua vez, a grande fonte de inspiração da produção poética do escritor, que compõe a penúltima parte do livro. A maioria dos poemas foi escrita durante seus períodos de encarceramento.

“Não tenho inimigos, desconheço o ódio” é encerrado com a sentença de 11 anos de reclusão do escritor, proferida em dezembro de 2009, e com sua declaração final, última dada antes da prisão, lida posteriormente na cerimônia do Prêmio Nobel. No texto, Liu não manifesta animosidade em relação a seus inimigos, pois acredita que esse tipo de sentimento na verdade seria um revés em sua luta por liberdade na China. “O ódio pode apodrecer a sabedoria e a consciência de um homem, o ressentimento envenena o espírito do povo, provoca batalhas brutais de vida e morte, destrói a tolerância e a humanidade de uma sociedade, obstrui o caminho da sociedade na direção da liberdade e da democracia.”

Revista Época – http://revistaepoca.globo.com/Mundo/noticia/2012/11/livro-de-dissidente-chines-vencedor-do-nobel-da-paz-chega-ao-brasil.html

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